A conceptualização de Cibercultura, descrita no livro "Cibercultura" de P.Lévy, é um manifesto, ele próprio um artefacto cultural, que "retrata as implicações culturais do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação de suporte digital". O ênfase centra-se na atitude geral da civilização moderna face ao progresso dessas tecnologias, a virtualização/digitalização da informação e na sua influência sobre os aspectos sociais e culturais da civilização.
Ao retratar a Cibercultura como um "conjunto das técnicas (materiais e intelectuais), as práticas, as atitudes, as maneiras de pensar e os valores que se desenvolvem conjuntamente com o crescimento do ciberespaço" (p.17), Lévy reforça a distinção deste novo paradigma cultural altamente influenciado pela Internet (meio tecnológico), pela digitalização da informação (novos formatos de partilha de informação) e na forma como as pessoas se apropriaram desses artefactos para desenvolverem novas formas de interacção e expressão individual, seja de forma criativa, informativa, pedagógica ou lúdica.
Todas as facetas da cultura moderna ou foram transformadas ou adaptadas por esta revolução tecnológica. Mas mais relevante foi o surgimento de novas formas de expressão cultural que nunca antes teriam sido possíveis, ou manifestadas com tanta intensidade como agora. A cibercultura é uma nova “ecologia do conhecimento”, onde a virtualização funciona como uma extensão do potencial humano. O virtual não substitui o real, complementa-o, dando-lhe uma nova dimensão que se traduz na possibilidade de conseguir interligar todas as pessoas de forma multidireccional (comunicação de todos para todos), cujo único mediador é o computador. O computador cujo "centro está em toda a parte e cuja circunferência não existe, um computador hipertextual, vivo, pululante, inacabado: o próprio ciberespaço". (p.47)
O desenvolvimento do ciberespaço resultou, ao longo das últimas 3 décadas, de "um movimento internacional de jovens ávidos de experimentarem em conjunto outras formas de comunicação para além daquelas que lhes são propostas pelos meios de comunicação clássicos." (p.11).
Ciberespaço (a rede) é o "novo meio de comunicação que emerge da interligação mundial dos computadores. Não só designa a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico das informações que ele alberga, em como os seres humanos que nele navegam e o alimentam" (p.17).
A emergência do ciberespaço acompanha, traduz e favorece uma evolução geral da civilização. O ciberespaço é retratado como "novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transacção, mas também novo mercado da informação e do conhecimento. (p.35).
É um domínio não físico onde se desenvolvem "contactos amigáveis, transacções contratuais, transferência do saber, trocas de conhecimentos e da descoberta pacífica das diferenças." (p.14)
Na altura que o livro foi escrito, este retrato do computador como portal para o ciberespaço ainda não previa o grande fenómeno tecno-cultural que surgiu nos anos 00's do Sec.XXI. O surgimento da Web2.0, a expressão de um ciberespaço onde as pessoas atravessam o computador para se tornarem eles próprios os nós da grande rede de informação e comunicação que actualmente nutre uma verdadeira cibercultura viva e em constante transformação, acompanhando, ela própria, o ritmo vertiginoso de inovação tecnológica.
No entanto, Lévy já profetizava uma nova mudança: "Divaga-se acerca dos próximos padrões de comunicação multimodal. Dados a amplitude e o ritmo das transformações passadas (anos 80 e 90) é ainda impossível prever as mutações que afectarão o universo digital depois do ano 2000". (p.27)
Existem 3 princípios que orientam o crescimento do ciberespaço e que ainda hoje se manifestam: a interligação, a criação de comunidades virtuais e a inteligência colectiva.
Existem 3 princípios que orientam o crescimento do ciberespaço e que ainda hoje se manifestam: a interligação, a criação de comunidades virtuais e a inteligência colectiva.
Interligação: Para a cibercultura, a ligação é sempre preferível ao isolamento. Em conjunto com o crescimento das capacidades de transmissão, a tendência para a interligação provoca uma mutação na física da comunicação: passa-se das noções de canal e rede para uma sensação de espaço englobante.(p.132)
Comunidade virtual: Constrói-se com base em afinidades de interesses, de conhecimento, na partilha de projectos, num processo de cooperação ou de permuta, e isso independentemente das proximidades geográficas e pertenças institucionais. (p.132)
Inteligência colectiva: Um dos principais motores da cibercultura, considerada como "a sinergia das competências, dos recursos e dos projectos, a constituição e manutenção dinâmica das memórias comuns, a activação dos modos de cooperação flexíveis e transversais opõem-se à separação estanque das actividades, às compartimentações, à opacidade da organização social." (p.131). Quanto mais se desenvolvem os processos de inteligência colectiva, "melhor os indivíduos e os grupos se apropriam das mudanças técnicas, tem a aceleração do movimento técnico-social." (p.30)
Baseando-me nestes princípios, irei apresentar 3 exemplos actuais representativos da Cibercultura do Sec.XXI.
1. Podcasts
Lévy analisa no seu livro "as configurações da comunicação e da interacção que emergem no meio tecnico-social da cibercultura" e "as novas modalidades da produção e recepção das obras do espírito" (p.141) e dá como exemplo a mundialização da música, nomeadamente a música techno.
De facto, o ciberespaço permitiu a criação de um espaço de partilha de conteúdos digitais que promoveu o surgimento de novas formas de expressão artística. Um dos grande fenómenos de produção de conteúdos digitais que emergiu em força com a Web 2.0 foi o podcasting.
Esta nova forma de distribuição de ficheiros multimédia dinamizou por completo a produção de conteúdos áudio e vídeo, tornando o podcasting num dos métodos mais comuns de partilha de informação pela Internet. Ao tornar-se um novo meio de distribuição de informação livre, independente dos mass media existentes, permitiu que indivíduos e organizações pudessem disseminar informação artística, educativa, pessoal e institucional para uma audiência global. Na minha opinião, os podcasts são um produto da cibercultura. Graças ao desenvolvimento técnico que permitiu que qualquer pessoa produzisse, com baixos custos, os seus conteúdos digitais e disponibilizá-los livremente no ciberespaço, o podcasting nunca teria existido.
Embora já existissem vários exemplos, o podcasting ganhou a sua massa crítica em 2004 e actualmente é uma da principais formas de distribuição de informação utilizada por instituições de ensino (exemplo: iTunesU), empresas e indivíduos a título pessoal e até pelos próprias empresas de mass media, que convertem os seus conteúdos para este novo formato de disseminação de informação.
2. Redes Sociais
Um do fenómenos mais recente da Web 2.0 é o surgimento das redes sociais, com destaque para o Facebook e Twitter.
Nestas redes sociais, os 3 princípios da cibercultura são expressos num patamar num antes visto. São excelentes meios de Interligação, permitindo que os individuos de todo o mundo se unam numa rede de contactos (comunidade virtual) onde disseminam informação e reflectem em conjunto, criando relações pessoais e aprendizagens informais, desenvolvendo, em tempo real, uma inteligência colectiva em constante fluxo e mutação.
Não é surpreendente este fenómeno de adesão às redes sociais. Acredito que seja a continuação de um processo de partilha de informação já existente no ciberespaço, iniciado pelos websites pessoais, que evoluíram para os blogs e mais tarde confluíram para os espaços de partilha dinâmicos que são as actuais redes sociais. Impressionante é o número de pessoas interligadas nestas redes sociais. Em 2010, o próprio Facebook tornou-se o sítio web mais visitado em todo o mundo superando o motor de pesquisa da Google. Há aqui uma mudança de comportamento. As pessoas passaram a ser as verdadeiras fontes de informação, por contraste aos motores de busca. Assumem a interligação e a partilha como principal comportamento no ciberespaço, negando-se ao isolamento.
Actualmente, são a melhor representação do novo Dispositivo comunicacional (Designa a relação entre os participantes da comunicação)original, descrito por Lévy, pois permite às comunidades constituírem progressivamente e de forma cooperante um contexto comum( dispositivo todos-todos). O Próprio Lévy tem estudado o fenómeno das redes sociais, como indicado neste seguinte vídeo:
3. Online Multiplayer Games
Uma das representações da Cibercultura, realçadas por Lévy, são os Mundos virtuais, espaços onde se "dispõe as informações num espaço contínuo - e não em rede - e isso em função da posição do explorador ou do seu representante no seio d mundo (princípio de imersão)".(p.66)
O sensação de imersão num espaço/tempo não real, altamente interactivo que estimulante, é um dos principais avanços que a tecnologia ofereceu às pessoas. Paralela ao avanço das artes, elas também transportadoras da nossa imaginação para outros espaços (nomeadamente o cinema), a indústria do entretenimento viu surgir nas últimas 2 décadas uma sub-cultura muito própria - a dos videojogos. A indústria dos videojogos desenvolveu um mercado de utilizadores incrível, nomeadamente jovens, que tem puxado a tecnologia para limites criativos e de avanço tecnológico como nenhuma outra vertente da cibercultura.
Actualmente, essa expressão cultura tem um impacto social e financeiro imenso. Milhões de utilizadores de todo o mundo juntam-se durante horas para realizarem missões, descobertas, tarefas e até interacções pessoais somo nenhum outro mundo virtual. Até o próprio SecondLife, a proclamada grande plataforma virtual é superada em utilizadores activos, por alguns desses Multiplayer online games.
E os números são realmente incríveis:
World of Warcraft, em 2007, tinha 9 milhões de utilizadores activos e esse número tem aumentado com a novas actualizações do jogo; The Simms tinha 1.25 milhões, sendo uma das maiores sagas dos videojogos, evoluindo aos longos dos anos mas mantendo sempre a sua matrix, a simulação de uma sociedade igual à real, mas num mundo virtual, comandada pelos seus utilizadores.
Novos jogos e respectivas comunidades têm surgido nos últimos anos e os números não param de surpreender. Este fenómeno de adesão e união é na minha opinião um exemplo de cibercultura, não considerada por Lévy, mas que revela também os 3 princípios: A interligação de jovens num Mundo virtual comum, construindo comunidades virtuais muito activas que desenvolvem m conjunto uma inteligência colectiva, neste caso focada nos objectivos dos respectivos jogos. Todos os utilizadores são obrigados a respeitar as regras em comunidade, a conhecerem todos os seu detalhes e a recriarem os seus próprios "eu" numa versão digital, metafórica, mas ambiciosa. Não será de facto uma das melhores facetas da cibercultura, já que os riscos de isolamento da sociedade real é uma das preocupações que têm surgido sobre a utilização excessiva destes videojogos. Mas tal, não esconde o facto de serem uma realidade a ter em conta, suportada por uma indústria cada vez mais arrojada em aderir novos utilizadores (jovens e adultos) e considerada como uma das mais avançadas tecnologicamente. Para reforçar esta mensagem, partilho o seguinte vídeo:
Estes 3 exemplos são apenas alguns dos fenómenos tecnológicos que surgiram na última década, depois do lançamento do livro "Cibercultura" que serviu de base a este trabalho. Teria imenso prazer em continuar esta investigação sobre as novas manifestações da cibercultura, posteriores à edição do livro, e sobre os fenómenos emergentes, tais como a mobilidade, a realidade aumentada e a arte digital.
Lévy, P. (2000) Cibercultura. Lisboa: Piaget.
Jason Van Orden, ‘History of Podcasting’ <http://www.how-to-podcast-tutorial.com/history-of-podcasting.htm> [acessado 12 Maio 2011].
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